Auditor Federal de Finanças e Controle, Lincoln é mais um entrevistado da série especial Enap Líderes que Refletem, uma coletânea de conversas com as lideranças da maior escola de governo do país, que são alicerces e promotores da transformação.
Como a DGC atua dentro da Enap? Cuidar do dinheiro é o grande desafio?
Lincoln Moreira Jorge Junior: A Diretoria de Gestão Corporativa olha para a estrutura transversal da Enap sob as perspectivas de quatro eixos básicos: orçamento e finanças, tecnologia, logística e recursos humanos. Quando falamos em orçamento e finanças, uma coisa importante é ter em mente a questão da qualidade do gasto. O aspecto quantitativo é sempre aquele que mais aparece e ele é importante, obviamente. Porém, a qualidade do gasto é essencial. Estamos trabalhando em cima desse ponto. Por isso, no desenvolvimento dos projetos, usamos muito a análise de dados e grande variedade de indicadores. Talvez a nossa área seja a que mais produz e usa indicadores dentro da escola. Com eles, buscamos entender o comportamento da nossa execução financeira orçamentária e como isso está vinculado com os nossos desafios.
Qual a estratégia para qualificar o gasto? Como isso acontece na prática?
Lincoln Moreira Jorge Junior: Normalmente, pode faltar dinheiro para aquilo que você precisa. Porém, nem tudo aquilo que queremos fazer é o que de fato precisamos fazer. Temos feito um trabalho de alinhamento dos gastos com um olhar bastante voltado para objetivos e estratégias e, a partir dessa avaliação, compreender o que de fato faz sentido. Uma coisa são os gastos operacionais, aqueles que fazem a Escola funcionar. Outra, são os investimentos realizados para promover mudanças, ações estruturantes para alcançar os objetivos estratégicos da Enap. Isso viabiliza um propósito, que é a transformação do Estado por meio da capacitação. Hoje, o propósito da Escola é trabalhar na capacitação dos servidores públicos, sobretudo no âmbito federal. Isso agora mudou ligeiramente, já que as esferas estadual e municipal fazem também parte desse escopo, o que aumenta demais o nosso desafio. Não temos recursos compatíveis para poder receber demandas de estados e municípios. Não apenas recursos orçamentários e financeiros, como recursos humanos. Nesse sentido, precisamos planejar o gasto com inteligência para evitar uma situação em que há um enorme investimento em iniciativas que trarão pouco resultado, mas gerarão grande quantidade de problemas.
A questão da transparência dos gastos é tratada de que forma nesse contexto?
Lincoln Moreira Jorge Junior: Por meio dos painéis de dados e indicadoes que usamos. Os painéis são fundamentais para que possam ser realizados controles sofisticados. Não apenas pela diretoria da Escola, mas por parte de órgãos de controle, tanto internos quanto externos. Essa gama de dados também nos fornece um bom panorama sobre como estamos gastando. Além de qualidade do gasto, a questão de transparência. São dois grandes temas que trabalhamos na coordenação de gestão orçamentária e financeira.
A área de tecnologia da informação passou por transformações desde o último ano. O que aconteceu?
Lincoln Moreira Jorge Junior: Primeiramente, colocamos em prática, de fato, o método ágil. Ele opera com entregas separadas, numa abordagem iterativa das tarefas. Ou seja, um conjunto de entregas pequenas vai compondo partes maiores e mais robustas dos projetos. Essas partes menores são postas em funcionamento rapidamente e tornam-se ferramentas essenciais no dia a dia muito antes da finalização dos projetos com um todo. Dessa forma, entregamos funcionalidades com muita velocidade e criamos eficiência ao longo da cadeia produtiva da Escola. Isso também nos possibilita ter o risco sob controle porque vamos operando com as partes e se algo surge, não aparece na figura de um problema grande e todo encadeado, mas como um fragmento, que pode ser abordado imediatamente, sob controle e num processo de cultura de transformação digital.
Como era feito antes?
Lincoln Moreira Jorge Junior: Antes havia na Enap a abordagem em ciclos preditivos. Um modelo em que sustentação e planejamento eram misturados. Separamos isso, estabelecemos o Centro de Excelência (CoE), que é uma área que cuida de gerenciamento estratégico. Criamos ainda o portfólio de projetos. A partir daí, foi possível requalificar todo nosso cronograma de projetos, eliminando execuções incorretas e todo tipo de imprecisão. Retiramos muita fricção dos processos. Com o CoE e todo o trabalho de alinhamento estratégico, criamos um mecanismo mais inteligente de coleta de demandas por meio da figura do analista de negócio. Oferecemos soluções baseadas nas prioridades. Dentro daquilo que é prioridade em cada uma das diretorias, preciso priorizar o que é prioridade para a Escola. Aí criamos um modelo de classificação e priorização baseado no planejamento estratégico. É nesse contexto que surge o modelo de transformação digital. Coisas como substituição de atividade rotineira, aumento da capacidade analítica, diminuição do dimensionamento de força de trabalho por meio da substituição de tarefas repetitivas através da implantação de sistemas e máquinas e melhora na qualidade dos processos com a integração suportada por sistemas. Tudo isso passou a ser realizado. Investimos muito na figura do analista de negócio.
O que é o analista de negócio?
Lincoln Moreira Jorge Junior: É um profissional altamente especializado e com muita experiência em lidar com gestão de processos com foco na eficiência baseada em boas entregas e na produção de indicadores. Ele entra nas áreas, entende aqueles contextos nas suas mais variadas peculiaridades e, por meio de uma abordagem muito familiar aos ambientes tecnológicos, identifica potenciais de automação e prioridades. Com ele, surgem espaços de modernização e transformação que as próprias áreas muitas vezes não realizam porque, primeiro, estão muito imersas nos seus processos e entregas e, segundo, pela ausência de uma cultura de transformação digital. Nesse segundo aspecto, temos atuado com muito vigor, mas é uma mudança que ocorre lentamente. Mudar uma cultura de trabalho é sempre desafiador. O analista de negócio trabalha nesses dois pontos.
Como você percebe a adesão à cultura de transformação digital? Há resistências?
Lincoln Moreira Jorge Junior: A cultura de transformação digital leva um tempo. Envolve um processo de adesão das áreas. Pensar de forma sistemática, em forma de processos é algo que é problemático para algumas áreas porque elas operam de outra maneira em seus processos criativos e de entregas. Um dos legados que queremos deixar para a Escola é preparar todas as capacidades de oferta e demanda de transformação digital para os próximos 10 anos. Por isso estamos duplicando o investimento em contratos, em métodos, em planejamento e em equipes. Iniciamos agora, mas isso começa a ter efeito daqui dois ou três anos.
Você citou a área de logística e ela normalmente é associada com o funcionamento da Escola. É isso?
Lincoln Moreira Jorge Junior: Ela é um pouco mais do que isso. No último ano, fizemos um investimento importante no nosso ambiente em que foi possível resgatar um complexo esportivo que estava há mais de 10 anos sem receber qualquer tipo de investimento, o que o havia tornado praticamente ocioso e, sobretudo, obsoleto. Revertemos isso para os próprios servidores. Eles hoje podem fazer aulas de tênis, natação, musculação e usufruir dessa estrutura sem ter de pagar. Isso gera retornos na forma de ganho de qualidade de vida de quem trabalha, o que é muito valioso. Nosso complexo esportivo é totalmente adaptado e, hoje, usado por atletas paraolímpicos como centro de treinamento. Algumas medalhas nasceram lá. São esportistas de alta performance que também usam nossa estrutura na sua preparação, o que, para nós, é uma honra e uma satisfação. A logística passa ainda por manter funcionando nossas salas de alta performance, que são espaços em que se estabeleceram modelos de capacitação pós-pandemia. Neles, são realizados eventos presenciais e remotos, bem como os híbridos. Envolve a presença de autoridades e convidados internacionais de peso. Então há toda uma estrutura para que as aulas que ali ocorrem sejam devidamente captadas, armazenadas e transmitidas em formatos variados e bem adaptados a cada modelo de evento e de público. Muito mais do que manter a escola funcionando, colocamos recursos modernos à disposição de toda a Esplanada e de nossas atividades de capacitação, inovação e pesquisa. Tudo isso é concebido, desde o planejamento, com a acessibilidade como parâmetro fundamental. Nossa estrutura é totalmente adaptada.
A logística abrange os conceitos e práticas sustentáveis? O que a Enap tem feito de fato?
Lincoln Moreira Jorge Junior: Outro aspecto da logística é exatamente a sustentabilidade. Isso se traduz em diferentes ações. Por exemplo, implantamos nossa usina fotovoltaica, que fornece 51% da energia elétrica que consumimos. Temos trabalhos ainda na redução de resíduos sólidos, eficiência hídrica e na absorção de tecnologia verdes. Trabalhamos também com um conceito de responsbilidade social em nossos contratos. Enquanto muitas empresas e instituições pagam multas pelo não preenchimento de cotas, nós preenchemos e exigimos as pessoas nos postos de trabalho. Tudo isso nos permite praticar a inclusão. Quando temos tecnologias que permitem a participação de todos os tipos de públicos, presencialmente ou não, isso é uma forma de democracia e acesso a capacitação. Então, para além da sustentabilidade, a agenda ESG é importante para nós e pauta nossas ações de planejamento.
A Enap se engajou recentemente em ações legislativas que trazem novidades para a carreira de seus servidores. Fala-se ainda em concurso público. Como estão essas coisas?
Lincoln Moreira Jorge Junior: Temos trabalhado em ações para o fortalecimento da carreira. Nesse sentido, produzimos um projeto de lei tratando desse tema em detalhes, criando e estruturando a carreira da Enap. Enviamos essa proposta para a secretaria de gestão de pessoas, dentro do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), com o aval da ministra Esther Dweck. A essência é fortalecer a carreira com diversas medidas, por exemplo, incorporação de gratificações, entre outras coisas. Além disso, conseguimos o ato que autoriza a realização do nosso concurso público, que será publicado em breve. Isso tudo fruto de muito trabalho e articulação da gestão atual. Além disso, trazemos o conceito de “experiência do servidor” em que, em todos os nossos projetos, colocamos o servidor no centro e tudo é feito em volta dele. Estou falando de valorização de carreira, mobilidade e retenção de talentos. A atuação de RH deixa de ser voltada para departamento pessoal e passa a mirar a gestão estratégica desses recursos. Isso ocorre usando ainda a análise de dados na tomada de decisões.
Por que afinal a Enap tem consiguido fazer diferente de outros órgãos de governo?
Lincoln Moreira Jorge Junior: É uma visão que vem com esta gestão de uma forma geral e na DGC em particular. Abordar problemas antigos com soluções novas. Conseguimos fazer diferente porque temos uma visão estratégica. Enxergamos onde a escola está e aonde queremos chegar. É uma questão de postura da gestão. Por exemplo, no campo da transformação digital é muito comum, e vejo muito isso no mercado, uma batalha que envolve a luta constante dos gestores por mais recursos financeiros e humanos. Aqui, partimos de uma abordagem diferente. O agente da TI não está na TI, ele está dentro do negócio, na figura do analista de negócios. Esse olhar que busca compreender o contexto de forma abrangente e permite conectar a vontade de fazer com as oportunidades, as estratégia, as prioridades, o momento político e os desafios de Estado é o grande diferencial de estarmos conduzindo a Enap no ritmo em que temos feito nessa gestão.
De que forma essa visão estratégica exerce influência no dia a dia, na tomada de decisões?
Lincoln Moreira Jorge Junior: As decisões que tomamos hoje não tratam dos resultados que atingimos hoje. Quando você encara o fato de que as decisões de hoje terão impacto no futuro as coisas passam a ser pensadas numa perspectiva diferente. É preciso ter um planejamento muito claro. Tomar uma decisão sem pensar no impacto futuro é muito mais fácil porque a análise por trás disso é bem mais limitada, assim como sua visão de retorno e percepção de valor agregado. Só que é um enorme equívoco porque você acha que gerou e entregou resultado, mas no médio prazo você não está transformando o Estado. A burocracia precisa de ações perenes e sustentáveis. Caso contrário, não será possível promover as mudanças fundamentais. Há momentos que demandam rupturas. Então quando pensamos num horizonte de 10 anos, independentemente do prazo da atual gestão, criamos um diferencial que gera muitos bons impactos. Pensar além desse prazo, já é uma tarefa bem mais complexa. Envolve uma discussão sobre o futuro da Enap e como ela se posicionará a respeito de determinados temas hoje. Por exemplo, sobre a inteligência artificial.
É de se supor que, no longo prazo, a inteligência artificial será ainda mais relevante no contexto social e de uma escola de governo, não?
Lincoln Moreira Jorge Junior: Sem dúvida. Acredito que a inteligência artificial tem um potencial transformador que talvez nem a internet ou a interface gráfica tiveram para os computadores e seu uso generalizado. A internet mudou a forma como nos relacionamos, trabalhamos, comercializamos, estudamos e aprendemos. Por sua vez, a inteligência artificial traz uma dinâmica de mudanças cada vez mais rápidas. Temos visto isto com muita clareza agora. Muitas vezes falamos de algo transformador trazido pela inteligência artificial e em seguida surge toda uma cadeia de novas tecnologias associadas a isso em que cada uma delas gera mais e mais coisas novas. Como vamos nos posicionar a esse respeito pensando num prazo de tempo mais longo é algo complexo. Quais serão os desafios de Estado diante da inteligência artificial? Esse é um debate que temos de ter agora, mas que não pode ser açodado e não será simples. Porém, temos de nos posicionar sobre esse tema hoje. Por exemplo, como os recursos humanos, as tecnologias e as capacidades que temos mobilizado vão continuar a funcionar? Elas deixarão de existir? O que as substituirá? A complexidade está nessas questões que, com um arco temporal maior, passam a ser muito difíceis de dimensionar.