Com mesa de abertura composta exclusivamente por mulheres, a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) recebeu, nesta quarta-feira (9), um dos encontros formativos sobre a Política de Cotas para Mulheres em Situação de Violência nas Contratações Públicas. A iniciativa, que visa promover a inclusão socioeconômica dessas mulheres por meio do poder de compra da administração pública, é fruto de uma parceria entre os ministérios da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e o das Mulheres.
A política, considerada prioritária pelo governo federal, é operacionalizada através de um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com os Organismos de Políticas para as Mulheres (OPM). No Distrito Federal, a coordenação da implementação está sob a responsabilidade da Secretaria de Estado da Mulher do DF.
Destinado a dirigentes de ministérios, órgãos e entidades federais com sede no DF, além de gestoras e gestores das áreas de planejamento, orçamento e administração, servidoras e servidores envolvidos em processos de contratação e demais profissionais interessados na implementação da política, o evento teve como objetivo detalhar a execução desta política e como utilizar o poder de compra do Estado para promover empregabilidade e inclusão social de mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Durante o encontro, foram compartilhadas orientações, experiências e práticas com as pessoas participantes, para fortalecer a cooperação entre órgãos federais e estaduais para uma implementação eficaz.
A presidenta substituta da Enap, Natália Teles, destacou a importância da presença feminina em todos os espaços e ressaltou que, quanto mais mulheres estiverem juntas, mais poderão compartilhar responsabilidades. Para ela, essa é uma agenda das mulheres, pois, diante de tantos problemas e prioridades, são elas, nos espaços de decisão e liderança, que podem garantir a priorização de temas como este na tomada de decisão e na alocação de recursos e orçamento. Isso confirma que os interesses das pessoas são representados e priorizados pelos líderes que as representam, e nesse caso específico, as mulheres.
Natália Teles também apontou que, ao falar de políticas voltadas para mulheres, de gênero e fortalecimento, não se trata de mudar as mulheres, mas sim de mudar as estruturas em que estão inseridas. “Mudar estruturas é desafiador, principalmente porque, embora mulheres ocupem esses espaços, ainda há uma predominância masculina nos altos cargos, e essa transformação requer articulação e o comprometimento de todos, inclusive dos homens”, afirmou.
Ela também reforçou que pensar em gênero, raça, diversidade e sustentabilidade requer atenção aos sistemas estruturadores, e não apenas às políticas finalísticas. "O MGI tem desempenhado um papel essencial na viabilização dessas políticas, e a Enap contribui por meio de capacitação, pesquisa, inovação, diagnósticos e encontros como este, que são oportunidades para interromper a rotina, refletir e discutir as mudanças necessárias", concluiu.
A secretária executiva do MGI, Cristina Mori, destacou que a missão principal do governo é reconstruir o Estado brasileiro após um período de fragilização, com o intuito de promover a redução das desigualdades e um desenvolvimento mais justo e sustentável. Ela enfatizou que o objetivo não é apenas restaurar o Estado como ele era, mas transformá-lo para enfrentar desafios que sempre existiram, mas que não tinham a devida atenção ou mecanismos adequados para serem resolvidos.
Cristina Mori ressaltou a importância da política de cotas para mulheres em situação de violência nas contratações públicas, um projeto caro ao MGI, e destacou que a implementação dessas cotas vai além da regulamentação: exige articulação e preparo dos ambientes de trabalho para acolher essas mulheres de maneira segura e sem estigmatização.
A representante do MGI também sublinhou que essa política é parte de um esforço maior, vinculado ao programa Brasil Sem Misoginia e Feminicídio Zero, e que as mulheres negras, majoritariamente afetadas pela violência doméstica, estão no centro dessas iniciativas. Além disso, Cristina mencionou a importância de ações afirmativas e políticas de trabalho decente, incluindo a prevenção e combate ao assédio e à discriminação na administração pública.
Por fim, ela destacou a parceria entre ministérios e estados para implementar a política de cotas, com oito unidades da federação que já aderiram à iniciativa. “O sucesso dessa política depende da colaboração entre diferentes órgãos e da inovação contínua para solucionar desafios e garantir que as políticas públicas sejam efetivamente implementadas”, finalizou.
Ainda na mesa de abertura, a secretária da Mulher do DF, Giselle Ferreira, ressaltou a relevância de conectar mulheres ao mercado de trabalho, pois a dependência econômica está muitas vezes relacionada à violência doméstica. Giselle acredita que a empregabilidade seria uma solução crucial, já que muitas mulheres hesitam em denunciar a violência por medo de comprometer o sustento da família. Ela também abordou os desafios enfrentados pelas mulheres no mercado de trabalho, como a dificuldade de conciliar a jornada do emprego com as responsabilidades familiares e a falta de apoio, como creches.
Para superar esses obstáculos, a secretária do DF enfatizou a importância de uma rede de cuidados que apoie as mulheres na inserção no mercado. “É necessário compreender as peculiaridades das mulheres ao implementar políticas públicas e termos de cooperação, reconhecendo que a renda gerada pelo trabalho é valiosa, mas que o trabalho representa muito mais do que isso na vida das mulheres.”
A representante interina da ONU Mulheres para o Brasil, Ana Carolina Querino, destacou a relevância das compras públicas como um mecanismo eficaz para promover o empoderamento feminino. “A ONU Mulheres já trabalha com a perspectiva de compras afirmativas de gênero, inicialmente no setor privado, e agora se alegra em ver o Estado promovendo políticas de contratações afirmativas. Isso inclui não apenas serviços prestados por mulheres, mas também a promoção de outras áreas de empoderamento para mulheres vítimas de violência. Entretanto, é crucial pensar em como essas mulheres serão inseridas e tratadas nas empresas durante todo o processo. É importante garantir condições adequadas de trabalho, pois a violência pode se manifestar não só no âmbito doméstico, mas também no ambiente de trabalho”, enfatizou. Ela frisou ainda que inovação não se limita à tecnologia; é também sobre fazer diferente e mudar práticas enraizadas.
Implementação
A política exige que as empresas contratadas pela administração pública federal direta, autárquica e fundacional para prestação de serviço contínuo com mão de obra dedicada reservem uma cota de, no mínimo, 8% das vagas para mulheres em situação de violência doméstica e familiar. A política inclui mulheres trans, travestis, além de outras possibilidades do gênero feminino, e prioriza mulheres pretas e pardas. A implementação ocorre em fases e envolve o treinamento e o suporte de gestores e servidores.
O Acordo de Cooperação Técnica (ACT) no Distrito Federal foi assinado em 14 de novembro de 2023 e atualmente contém apenas um contrato vigente, do Colabora.gov, com cerca de 14 mulheres contratadas.
Este evento foi um marco no esforço de alavancar a contratação dessas mulheres e a promoção da inclusão econômica. A sensibilização de lideranças e a oficina formativa garantirá que dirigentes, servidores e gestores estejam equipados com as ferramentas necessárias para aplicar e monitorar a política de cotas de maneira eficaz.