Em plena pandemia de Covid-19, o Brasil conseguiu superar disputas de décadas e aprovou finalmente neste ano o Marco Regulatório do Saneamento Básico. Levar água tratada e rede de esgoto a milhões brasileiros virou uma meta de governo e um objetivo da sociedade. Os ganhos serão a melhoria da saúde da população e a estímulo para gerar mais investimento de longo prazo no país. Neste cenário, a Semana de Inovação 2020 realizou na tarde de hoje um debate nas Trilhas Temáticas, com o título “Saneamento Sustentável para uma vida melhor em áreas rurais e urbanas periféricas”.
A abertura da mesa virtual foi feita pela coordenadora do grupo da Universidade Federal de Viçosa, Ana Augusta Passos, que abriu a reunião com a pergunta: qual futuro que a gente quer? “Hoje, quase seis milhões de brasileiros não possuem banheiro em casa. Isso representa quase 3% da população brasileira. Nesse contexto, proponho uma tarefa para este grupo e para os órgãos competentes. Vamos para possibilitar o acesso a mesma população outras técnicas de tecnologia de tratamento de esgoto que possam atender as necessidades deles e, ainda, reduzir a poluição”, disse.
O engenheiro ambiental Juliano Mudado, mestrando em Agroecologia na Universidade de Viçosa, disse que em um país em desenvolvimento as etapas de estação de tratamento de esgoto não existem nas áreas de vulnerabilidade social. “Faltam recursos econômicos. Este é um debate muito recente no mundo. Uma temática relativamente nova, que vem sido estudada nos últimos 20 anos”, afirmou. Ele lembrou que 80% das águas residuárias geradas no mundo são descartadas em rios, sem tratamento adequado. A consequência disso é que um terço dos rios de países em desenvolvimento são poluídos.
Juliano apresentou um sistema de recuperação de “água cinza” (dispensada no chuveiro, cozinha e lavanderia), através do saneamento ecológico, que tem sido usado em regiões de recuperação de água na cidade de Viçosa. O processo chamado de “ciclo de bananeiras” faz uma vala com o plantio de bananeiras e direciona a água cinza, que passa por etapas de tratamento. A água retorna para o meio ambiente por meio do solo e plantas. É um sistema praticamente gratuito.
Edson Mota Maia, engenheiro e instrutor do Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), apresentou o projeto “tanque evapotranspiração”, que se baseia num sistema impermeável. Ele explicou que, além de tratar, o processo transforma o esgoto em nutriente para as plantas. “O tanque impermeável permite que o esgoto que chega até o tanque não se infiltre no solo. São usados pneus e entulhos de obras como solução para auxiliar no tratamento e reciclagem dos nutrientes. Por cima, é colocada uma camada de brita, camada de areia e terra orgânica. E em cima disso tudo, as plantas como fossa ecológica. A fossa que contempla o saneamento ecológico, traz o relacionamento mais saudável com o meio ambiente”, explicou.
A engenheira ambiental Joseane Nunes Mendes mostrou uma pesquisa voltada para a recuperação de nutrientes através da urina humana. Segundo ele, a urina tem um grande potencial de fósforo e nitrogênio. “No Brasil, temos uma limitação de fósforo nos nossos solos e importamos grande parte desses fertilizantes. A reutilização da urina humana é uma forma simples de suprir essa necessidade”, afirmou.
Joseane apresentou dois projetos (Green Pee e Green Urine). São instalados mictórios em vias públicas, e a urina depositada neles é enviada para um sistema de recuperação dos nutrientes que, posteriormente, são utilizados como fertilizantes. “Além de auxiliar no processo de utilização de fertilizantes de forma mais natural, não enviaríamos esses nutrientes para os rios e auxiliaremos no saneamento ecológico e na economia circular.”
Ontem, os participantes da Semana de Inovação 2020 conheceram a experiência da queniana June Arunga. Ela é fundadora da Usafi Comfort, instituição criada para suprir a escassez de tratamento de águas residuais para milhares de pessoas que vivem fora da infraestrutura municipal de esgotos na África Oriental. June contou sobre o trabalho que executa hoje na abordagem descentralizada no sistema de esgoto de seu país. Em algumas comunidades, as casas e os prédios não estão conectados ao sistema público de esgoto. “Na África, temos grandes problemas em relação a capital para investimentos vindos do governo. Então, estamos fazendo parcerias com o setor privado. De novo, aqui estamos contando com as ideias inovadoras do setor privado e fazendo alianças com o setor público,” explicou.